Noite
A noite passada foi de chuva, relâmpagos e trovões. Clarões irromperam pelo meu quarto.
Tal como uma criança fui a correr para a janela da cozinha a tempo de ver o espetáculo natural que registei através do telemóvel.
Não sei se é a lua cheia de há dois dias, e que ainda se vê nos céus, que me está a tirar o sono. Adormeço mais tarde do que era habitual e acordo com muito mais sono. Ou talvez seja apenas a energia do Outono que chegou ontem.
O contraste que se vê nos céus é a imagem da dicotomia/dualidade que acompanha o ser humano, e sobre a qual me tenho debruçado nos últimos meses.
Sei que volto sempre ao mesmo assunto, mas neste momento é quase inevitável considerando a fase da vida na qual me encontro. E penso nisto... muito!
Ontem falava sobre a inspiração que tem sido para mim assistir àquelas palestras de Filosofia. Contudo, ao regressar a casa senti-me muito cansada e até enjoada. O mesmo aconteceu hoje de manhã e acabei por não voltar ainda a pegar nos papéis nem nos áudios. O que ouvi até agora já me deu muito para pensar. Algumas conclusões registei ontem, mas essas conclusões, que nem definitivas são, representam apenas uma ínfima parte do entendimento humano. E acabo por voltar sempre à sombra.
Com a sombra vem tudo o que tenho mantido à margem, escondido ou tapado. O lado bom de fazer este trabalho é a possibilidade de que a sombra deixe de ser sombra ao receber a luz. E no fundo, nem tudo o que está na sombra pertence à sombra. Nem tudo o que parece mau é mau e nem tudo o que parece bom é bom.
Pela minha experiência entendo que o desafio deste momento permite-me, acima de tudo, trabalhar a autenticidade. No entanto, e aí está o problema, ainda não me desvinculei completamente da opinião dos outros.
É tão estranho pensar nisto. Sinto que avanço um, dois passos, e logo alguma recordação me agarra pelo pé e pergunta-me:
- Tens a certeza?
- Sim, tenho a certeza, apenas questiono se serei capaz de ultrapassar estas emoções mais básicas que me agarram tanto ao chão.
E sim, a minha mente volta ao passado, a momentos específicos, a pessoas específicas, a situações específicas.
Sou conduzida pela Avenida António Augusto de Aguiar, pelo quarto da Ramalho Ortigão, pelos carros parados junto à Bernardo Lima, pelas caminhadas da Rua de Santa Marta, pelos jantares no Parque das Nações, pelos palcos do teatro e palcos da vida real, pelas subidas no tecido vertical e descidas no tapete de yoga, pelos cabelos compridos e pela cabeça rapada, pelos abraços dolorosos.
Será que conseguirei que nada disto me doa, nem me prenda, ou é a memória ainda minha mestre?
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