Pelos Trilhos de VFXIRA

Ontem foi dia de Carnaval. Após o teletrabalho de manhã, e estando dispensada de trabalhar à tarde, resolvi aventurar-me pela encosta que vai de Vila Franca de Xira até ao Miradouro de Monte Gordo.
Durante o confinamento tinha feito o percurso de carro que significa contornar o monte e subir depois pelo Caminho do Miradouro de Monte Gordo, íngreme mas alcatroado, o que é uma benesse. Tinha lido, contudo, que era possível percorrer o trilho por dentro, a pé. Percebi que o início seria algures pela velha Pedreira, onde já tinha estado, e assim foi.
Na minha lógica bastante simples tratava-se de apenas subir ou descer pelo que não poderia ser muito difícil certo? Errado.
Encontrei o trilho mas a dada altura devo-me ter enganado. Quando dei por mim estava entre ramos, silvas e espinhos que me dificultavam a passagem. Perdi-me no meio de uma vegetação densa. Sossegou-me o facto de ainda ser de dia e de conseguir ouvir os carros a circularem perto. Acho que nunca me aventurei tanto no meio de nada, completamente sozinha, mas mantive o foco.
Decidi, por fim, voltar para baixo já que não tinha garantia de conseguir chegar ao topo.
Descer foi uma aventura tão grande como subir. A um dado momento sentia os ramos a puxarem-me os cabelos, a ferirem-me a pele. Levei a mão à cabeça e percebi que estava a sangrar. Pedi à natureza naquele instante: "deixa-me regressar a casa que não te volto a importunar".
Continuei sempre a descer. Quando o terreno era mais íngreme, sentava-me e ia descendo com o apoio das mãos e dos pés para evitar uma queda abrupta. Consegui, por fim, chegar à estrada, meio esgadelhada, arranhada, mas aliviada. E foi naqueles trajes que ainda fui às compras antes de regressar a casa.

Continuo sem saber qual o caminho certo mas os arranhões na pele, que ainda sinto, retiram-me alguma vontade de descobri esse caminho. Mas partilho em surdina, já que ninguém nos ouve, que penso que houve momentos em que, consciente ou inconscientemente, segui por onde era mais difícil. Quando vi que o trilho não era aquele podia ter voltado para trás, mas não o fiz. Quando quis voltar, forcei a minha passagem. Não sabia por onde ir, mas não queria estar parada. Quando subi para uma rocha encrustada na colina senti que o meu suposto medo de alturas não é assim tão real. É mais um bloqueio que naquele momento não se manifestou porque eu queria sair daquele local onde estava. E depois de tudo aquilo, senti uma acalmia no coração que me estava a falhar já há uns dias. Há uma espécie de sensação de "dever cumprido". Fiz algo que tinha de fazer mesmo que não consiga perceber exatamente o que estava em causa.

Na segunda-feira, o meu professor de aéreos disse-me que eu penso muito e sinto pouco. Talvez, apenas talvez, tenha andado à procura do meu sentir enquanto penetrava naquela imensidão de verde.





 

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