Quarto escuro

Fevereiro é um mês tenso para mim.
Junho é um mês de encontro.
Agosto é um mês de confronto.
E o resto do ano de autêntico recolhimento.
Cada mês do ano serve no entanto, e apesar das características próprias, para me conhecer e conhecer o meu quarto escuro, aquele quarto de gladiadores mentais.
Resolvi escrever sobre isto num esforço de superação porque desejo que qualquer tensão me sirva para resolver questões e não para me bloquear num enredo complexo demais.
Sei de onde vem o conflito. Sei quais os gatilhos. Sei o que me desperta para um escorrega de confronto. O convite ideal é mergulhar nesse lodo mas ter todo o cuidado para não me afogar. Também é certo que posso limitar-me a fugir. Já o fiz. Já tentei. Não resultou. O que não resolvemos, persegue-nos. Ok. Não fujo mais.
Sou uma pessoa conflituosa. Nem sempre manifesto isto exteriormente. O meu vulcão rebenta por dentro. Aprendi com o tempo a colocar um sorriso amarelo enquanto a lava ia escorrendo pelas minhas veias. Das poucas vezes que consegue chegar à superfície, manifesta-se fora de tempo. Ando assim, fora de tempo; o que digo agora mas devia ter dito antes, ou o que devia ter feito mas não fiz e hoje acho que não faz mais sentido tentar fazer. Assumir quem sou, percebo então, passa por assumir o que é no tempo em que é. Há um momento para tudo e se perco a carruagem, fico apeada.
Isto faz-me questionar o porquê? Por que me custa tanto assumir o que sinto, e como vejo as coisas? Por que ainda me dói a minha imagem apesar de todo o trabalho já realizado? Por que insisto que sejam os outros a validarem-me quando no fundo sei que a validação só pode vir de dentro?
Ou seja, se sei qualquer coisa, por que será que este qualquer coisa não me faz não sentir da forma que sinto, e não me ver da forma como me vejo?
A resposta está no meu quarto escuro. O quarto que me acompanha desde sempre, mas do qual fujo. Onde tenho as minhas memórias e lembranças. Onde deixei histórias e ideias de criança que já há muito tempo deviam ter sido ultrapassadas. Talvez, no fundo, nunca tenha deixado de ser criança e seja a criança que ainda chora e se lamenta e recusa a ceder o seu lugar à mulher adulta.
Meras especulações sobre a origem. A origem, essa origem que ignoro!
É o momento do mergulho, com ou sem braçadeiras. Reencontrar-me, fazer as pazes com esse ser que me habita e perdoar a seguir todas as outras pessoas a quem responsabilizei em tempos pelo que sempre foi da minha inteira responsabilidade.
Se há algo que peço à vida é coragem para fazer o processo e tentar uma, duas, três vezes, todas as vezes que forem necessárias porque na vida, e quando se trata da nossa paz de espírito, nenhuma tentativa é demasiado.





(Imagem da internet)

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