Lídia
Durante muito tempo lamentei-me
pela vida que tinha. Sentia-me presa à pessoa que mais odiava: eu mesma. Detestava
tudo em mim. Os meus olhos que veem mal e me obrigavam a usar óculos, o meu
cabelo incorrigível, o meu corpo imperfeito, a minha timidez que me calava
quando devia falar, ou o péssimo sentido de oportunidade que me fazia falar
quando devia estar calada, o meu leão pouco leão com uma faceta de caranguejo que
insistia em viver o seu lado mais carente.
Não havia ninguém que me
tratasse pior do que eu mesma. Não entendia o meu propósito de vida. Não
entendia o que andava cá a fazer. Tudo me parecia um castigo, uma punição.
Perseguia algo que não sabia o que era e perdia-me numa dor que nem eu tinha a
certeza se tinha estatuto de dor.
Mendigava atenção e amor
e apagava-me em cada entrega ao achar que qualquer coisa que eu tentasse
aparentar ser era melhor do que mostrar quem eu era na realidade. Se eu não
gostava de mim, como podiam os outros gostar? Mas se eu fosse outra pessoa…
Quem é que eu sou?
Perguntei-me tantas vezes. É difícil responder quando o tempo é ocupado a
tentar aparentar mais do que a ser qualquer coisa.
Posso dizer que até há 6
meses esta era ainda a minha forma de estar na vida. Detestava-me e chegava a
ser agressiva com quem, com a melhor das intenções e amizade, me dizia para não
o fazer. Ainda há 6 meses desejava ser uma pessoa completamente diferente, ter
uma energia completamente diferente. Fazer uma espécie de operação plástica
física, mental e emocional.
Não vale a pena pedir
ajuda à vida para nos ajudar neste tipo de empreendimento. Para ela nós somos
perfeitos como somos. A nossa vida é uma dádiva. Ela trabalha a nosso favor,
não contra nós. Se insistirmos no contrário teremos de aceitar as consequências
da nossa queda.
Tenho 36 anos e demorei
36 anos a perceber o meu carácter destrutivo. Ter baixa autoestima não é algo
inalterável como ter olhos castanhos ou ser alta ou baixa. Não é algo que eu
não possa ou não esteja nas minhas mãos mudar. Se não sei gostar de mim, posso e
devo aprender a fazê-lo aceitando as minhas qualidades e defeitos,
desenvolvendo o meu potencial gradualmente e vendo-me como alguém que merece
ser amada, respeitada e aceite pela pessoa que é. Simples.
Quando não nos aceitamos,
acabamos por, inversamente, aceitar muita coisa dos outros e deixamos que sejam
terceiros a impor os termos e condições e a definirem aquilo que deve, ou não,
servir para nós. O mais triste é que, provavelmente, gostariam muito mais de
nós se fossemos genuínos. Acredito, cada vez mais, que passar uma vida inteira
a fazer de conta deve transmitir uma imagem de incoerência que não passa
despercebida a ninguém.
Nos últimos tempos tenho
vivido uma espécie de consciência nova e com ela toda uma outra forma de me
ver. Tenho aprendido a estar bem comigo mesma. E, à medida que o faço, sinto
como se a Lídia pequenina dos 10 anos estivesse ao meu lado a sorrir e a dar-me
a mão. Está feliz por nós duas. Quando eu curo a Lídia dos 36 anos, também curo
a Lídia dos 10 anos e a dos 20 e a dos 30. E a memória que tenho delas já não é
de desilusão, mas de gratidão por, à custa da sua própria dor, me terem trazido
até aqui.
É por isto que a vida vale
a pena. Somos um produto inacabado e cada dia é uma oportunidade que a vida nos
dá de irmos ao encontro da nossa melhor versão.
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